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Dia da Toalha

28/05/2009
A toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar. Em parte devido a seu valor prático: você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kakrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você – estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoalvemente limpa.  (Guia do Mochileiro das Galáxias)

O que você pensaria ao ver um maluco andando por aí com uma toalha a tiracolo? Se você é da bancada geek dos leitores desse blog, certamente conhece o Dia da Toalha, se não, já deve ter clicado no link e descoberto.

Pois bem, mochileiro galático convicto que sou, na última segunda feira saí pelas ruas de São Paulo com minha velha toalha de guerra.  Minha constatação foi chocante: eu poderia ter saído com uma melancia no pescoço que ninguém ia perceber! Os paulistanos são demais indiferentes (e, no Centrão, acostumados à bizarrice – ainda preciso publicar, neste blog, a “Tabela de Encontros Aleatórios do Centro de São Paulo”) para perceber que há um maluco com uma toalha nas costas. Usei a toalha como capa, como estola, como kafia, como cachecol – de todas as maneiras e das mais ridículas possíveis, sem atrair mais a curiosidade de um só na multidão.

Assim caminhei desde a Liberdade até o Largo São Francisco, passando pela frente do Fórum João Mendes e pela Praça da Sé. Chegando à Faculdade de Direito da USP, lá sim, fui alvo de uma saraivada de olhares, ora curiosos, ora recriminadores – especialmente na sala de estudos. Finalmente, uma amiga veio me perguntar o que era aquela toalha. Antes não tivesse vindo! Depois da explicação, ela ficou assustada e me achou muito mais freak do que antes!

Saí da faculdade, atravessei a rua e fui a um desses cafés charmosos e bundeblanches do Centro. Lá, encontrei outro amigo, que – após confundir minha toalha com um cobertor de mendigo – pediu explicações. Novamente, a emenda saiu pior que o soneto…

Eram 4 da tarde, e eu tinha uma reunião com minha chefe em Higienópolis. Fui em direção à estação Sé, parei para um lanche no velho buraco do suco (cujo verdadeiro nome é “Tropical”, na esquina da Rua Direita com a Rua Quintino Bocaiúva – recomendo!). Lá, fui atendido com a habitual solicitude, e ninguém parecia se incomodar com minha surrada toalha.

Já no metrô, na plataforma de embarque para a Barra Funda, uma senhora veio me perguntar onde devia pegar o trem para Ana Rosa. Atá agora não entendi por que diabos, entre toda a multidão da Sé, ela achou que o maluco com a toalha era a pessoa mais sensata para lhe fornecer algum tipo de informação!

Desci na Marechal Deodoro, e subi a Avenida Angélica. Em um bairro onde judeus ortodoxos vestidos a caráter são figurantes mais do que frequentes, devem ter achado que minha toalha era alguma espécie de indumentária religiosa. Cheguei ao prédio de minha chefe, e guardei a toalha na bolsa em que carregava o notebook. Quase não coube, mas era preciso esconder porque – dada as experiências prévias – se eu fosse explicar a ela o que era aquilo, corria o sério risco de ser demitido por justa causa (doença mental grave).

Após a reunião, descendo a Angélica, fui retirar a toalha da bolsa quando minha falta de destreza me fez derrubá-la no chão. A toalha me salvou pela primeira vez! Não estivesse lá para amortecer a queda, certamente não poderia escrever isso nesse computador hoje. O Guia estava certo: a toalha tem mais utilidades que o Bombril!

Peguei o metrô no horário do rush. A toalha, amarrada às costas à moda Clark Kent. Chegando à Sé, São Paulo fez valer sua fama de ter as quatro estações em um só dia – e o calor da tarde cedeu à chuva repentina. Novamente, a providencial toalha estava lá, para me cobrir até a Faculdade.

Chegando lá, conversei com diversas pessoas que, estranhamente, sequer me perguntaram da toalha. Devem ter pensado: “Ah, é mais uma das loucuras do Prince”. Encontrei um grupo de amigos indo tomar um chopp na padaria Santa Tereza. Juntei-me a eles, toalha (molhada) em mãos. No caminho, encontrei (FINALMENTE!) um mochileiro: Sir Lupa, que chegava do trabalho, de terno e uma discreta toalha de rosto enrolada no pescoço.

Após o terceiro chope, minha destreza, que era pouca, se acabou. Em um arroubo de eloquência, acertei, de um só golpe, a bandeja do garçom e lancei ao chão duas tulipas cheias. Olhei para minha toalha, providencialmente ali para limpar a bagunça que fiz. Mas ela já tinha provado seu valor por duas vezes, não precisava reduzi-la a pano de chão.

Depois do happy hour, voltamos à Faculdade, quando lembrei que não tinha tirado foto ainda! E, ao fim dessa epopeia, minha toalha, molhada e encardida da poluição da cidade, pode descansar em paz no tanque lá de casa.

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(Relato originalmente publicado no blog 633k)